quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Dólar e desvalorização do Real: Expectativas ou Fundamentos?

As expectativas vêm ganhando com sobra dos fundamentos econômicos. O ingresso de dólares no Brasil no período de janeiro a 28 de agosto de 2015 somou US$ 9,806 bilhões. Entretanto, no mesmo período, a desvalorização do Real superou (e continua superando) os 40%, tendo ultrapassado a barreira de R$ 3,80 por dólar (US$), nesta quinta-feira, 3 de setembro de 2015. Com mais moeda norte-americana no mercado, em tese, seu preço tenderia a ficar menor (se tal fato fosse efetivamente uma depreciação. Depreciação é o declínio do valor de uma moeda com base em fatores de mercado, como oferta e demanda. A desvalorização ocorre quando um país propositadamente reduz o valor de sua moeda).

Com o intuito de mitigar, teoricamente, a rápida desvalorização do Real (R$) ante o dólar (US$), o Banco Central do Brasil vem utilizado como instrumento swaps cambiais. E o que são os swaps cambiais? Swaps são trocas de fluxos de caixa. No caso dos referidos swaps cambiais é basicamente a troca de dólares [muitas vezes mais LIBOR (London Interbank Offered Rate: taxa de referência diária, calculada com base nas taxas de juros oferecidas para grandes empréstimos entre os bancos internacionais que operam no mercado de Londres), dólares estes captados principalmente por instituições financeiras que atuam no Brasil] por Reais (R$) remunerados por alguma taxa de juros (como a taxa DI).

Neste sentido, o artigo “Swaps Cambiais”, publicado na revista Resenha da Bolsa, Edição 1, agosto de 2015 é muito interessante. Vejamos o que os autores Márcio Gomes Pinto Garcia, Tony Volpon e Wenersamy Ramos de Alcântara descrevem sobre os referidos swaps cambiais utilizados pelo Banco Central do Brasil:

“Inicialmente, cabe notar que o instrumento usado pelo BC é bastante singular. Na grande maioria dos casos em países emergentes, ocorrem intervenções (esterilizadas ou não) no mercado cambial, via venda de reservas internacionais, ou, mais raramente, usando instrumentos derivativos (vendas a termo ou opções) liquidados em moeda forte. O BC brasileiro é o único banco central que usa instrumentos derivativos liquidados em sua própria moeda para vender dólares.

O fato de os swaps cambiais serem liquidados em reais abre uma intrigante questão: há limites para o tamanho da intervenção? Afinal, o BC pode, em tese, imprimir uma quantidade ilimitada de reais para pagar este passivo. Claro que há limites fiscais, mas além desses, há algum outro limite mais estrito?

Em recente artigo, defendemos que sim. A eficácia do swap cambial depende, em última instância, da crença dos agentes que eles podem, quando quiserem, trocar os reais que vão receber pelos swaps do BC por dólares. A variável chave é o risco de convertibilidade, isto é, o risco de não poder trocar livremente reais por dólares à taxa de câmbio vigente. Avaliando que o risco de convertibilidade é baixo, os agentes financeiros estariam dispostos a trocar sua demanda por dólares “de verdade” pelo “dólar PTAX” que recebem quando liquidam um swap cambial com o Banco Central. Portanto, as reservas internacionais funcionam como garantia aos swaps vendidos pelo BC.

Há, ainda, outro efeito importante da estratégia de intervenção do BC. Fora prover “dólar PTAX” para aqueles que querem exposição ao dólar, a venda de swaps cria incentivos para agentes financeiros, normalmente os bancos comerciais, vender dólares no mercado de câmbio spot. Assim, os bancos ajudam a financiar o déficit em conta corrente, que infelizmente tem traçado uma trajetória de alta nos últimos anos.

O mecanismo funciona porque a venda de swap na verdade é uma venda de um dólar a termo. Essa oferta diminui a diferença entre um dólar no futuro e o preço do dólar hoje (o preço spot), reduzindo o preço do dólar a termo. Assim, se um banco toma dólares emprestados fora do Brasil, vende os dólares no mercado spot, investe os reais que recebe em um investimento de renda fixa e compra um dólar a termo (que a intervenção do BC tornou mais barato) para se proteger do risco cambial, este banco consegue ter um retorno positivo garantido, incorrendo no risco de convertibilidade.

Assim, a intervenção do BC faz subir o retorno de uma aplicação em renda fixa com “dólares PTAX” no Brasil, que conhecemos como “cupom cambial”. Em nosso estudo, apresentamos evidências estatísticas de que a intervenção do BC tem efeito sobre o cupom cambial e também sobre a posição vendida em dólares dos bancos comerciais. Ou seja, os bancos trazem dólares para abastecer o mercado spot, protegendo-se do risco de desvalorização do real comprando os swaps cambiais.

Cabe enfatizar que os bancos constituem um elo fundamental na difusão do hedge cambial provido pelos swaps entre os diversos agentes econômicos. À posição comprada nos swaps cambiais pelos bancos, contrapõe-se uma série de posições vendidas dos bancos com outros agentes, sob a forma de ativos financeiros ou derivativos cambiais. Entre essas, destaca-se a posição vendida dos bancos no mercado spot, que representa, grosso modo, o volume de crédito de curto prazo captado no exterior pelos bancos para suprir o mercado spot, na estratégia descrita anteriormente.

Tais empréstimos estão sujeitos a limites quantitativos impostos pela avaliação realizada pelos bancos estrangeiros dos riscos de contraparte representados pelos bancos brasileiros. Historicamente, a posição vendida dos bancos no mercado spot não costumava ultrapassar US$ 20 bilhões. Entretanto, em dezembro de 2014, a posição vendida dos bancos alcançou US$ 33,7 bilhões (vide Gráfico 1). Deste total, US$ 10,5 bilhões haviam sido emprestados pelo BC, via repos (linhas de crédito em dólar), sendo o restante, US$ 23,2 bilhões, tomado emprestado junto a bancos estrangeiros. O Gráfico 1 mostra a evolução da posição cambial spot vendida dos bancos, das linhas (repos) emprestadas pelo BC, e a posição cambial ajustada, que é a diferença entre as duas primeiras séries. A posição cambial ajustada é uma estimativa do crédito de curto prazo tomado pelos bancos brasileiros no exterior.

Gráfico 1: Posição Vendida dos Bancos Brasileiros no Mercado à Vista de Câmbio (US$ milhões)
Fonte: Garcia, Volpon e Alcântara (2015)

Ou seja, para que a intervenção do BC via swaps transmita-se ao mercado spot, em um contexto de “déficit” de dólares no mercado spot, é necessário que os bancos endividem-se no exterior para arbitrar o spread do cupom cambial em relação ao custo de captação (aproximadamente a Libor). Esse endividamento de curto-prazo, contudo, encontra limite no risco de contraparte (crédito) agregado dos bancos brasileiros. Quando se chega próximo a tal limite, como parece ter ocorrido em dezembro de 2014, o cupom cambial tende a aumentar e a taxa de câmbio a depreciar, e o BC tem que prover os dólares “faltantes”, como o fez oferecendo linhas de crédito (vide Gráfico 2).

Gráfico 2: Intervenções Cambiais do Banco Central do Brasil (US$ bilhões)
Fonte: Garcia, Volpon e Alcântara (2015) 


Adicionalmente, segundo a nota econômico-financeira para a imprensa, Política Fiscal, de 28 de agosto de 2015, no final de julho de 2015 a exposição total líquida nas operações de swap cambial alcançou R$ 369,1 bilhões. O resultado dessas operações no período (diferença entre a rentabilidade do DI e a variação cambial mais cupom) foi desfavorável ao Banco Central em R$ 23,9 bilhões, aumentando a dívida mobiliária federal interna (em apenas um mês, o pagamento dos juros relacionados aos swaps cambiais representou quase 80% do déficit previsto para 2016, conforme orçamento apresentado pelo governo).

Diante do exposto, observa-se que a desvalorização do Real (R$) tem caráter muito mais especulativo [relacionado as expectativas decorrentes de tensão política, orçamento com previsão de déficit, ausência de superávit primário, aumento de juros nos Estados Unidos (que não deve ocorrer até o final do ano), etc.], que relacionado aos fundamentos econômicos. E para manter a desvalorização do Real o país vem aumentando a dívida mobiliária federal interna e aumentando os lucros dos que tem contratado os referidos swaps cambiais (basicamente instituições financeiras).

Nenhum comentário:

Postar um comentário